terça-feira, 1 de setembro de 2009

Países pobres e em desenvolvimento têm 60% dos novos casos de câncer

Em 1970, participação dessas nações no total de diagnósticos era de 15%.

Entre 2009 e 2020, crescimento da incidência será de 30%.

Luis Fernando CorreiaEspecial para o G1


A Conferência Global sobre Câncer em Dublin, Irlanda, permitiu que algumas lições sobre o câncer fossem reforçadas na mente de quem participou do evento.

O encontro foi organizado pela Fundação Livestrong, com apoio da Sociedade Americana de Câncer e uma série de parceiros corporativos, e reuniu mais de 500 participantes de 65 países durante 3 dias de discussões e atividades.

Mais de 25 milhões de pessoas vivem com câncer em todo o mundo. São 33 mil novos casos por dia.

Esse ano devem morrer dessa doença, que tem múltiplas formas, mais de 7 milhões de pessoas, 20 mil por dia. Os dados vêm de registros da Sociedade Americana de Câncer e da União Internacional de Combate ao Câncer.


Hoje, 1 em cada 3 habitantes do mundo deverá desenvolver um câncer de algum tipo durante sua vida. Se nada for feito, o risco aumentará para 1 a cada 2 pessoas

Diferentemente do que geralmente se acredita, a maioria desses casos e mortes ocorre em países em desenvolvimento ou pobres. No Brasil, serão mais de 60 mil mortes em 2009, segundo o Ministério da Saúde.

Países da Ásia, especialmente China, Japão e Coreia, apresentam índices crescentes de novos casos e foram responsáveis pelas maiores taxas mundiais de mortalidade - 2,6 milhões de óbitos pela doença.

Segundo John Seffrin, da Sociedade Americana de Câncer, a doença será, a partir de 2010, a principal causa de morte no mundo, ultrapassando as doenças cardiovasculares.

O impacto da câncer sobre a economia global, segundo o grupo The Economist Intelligence Unit, da revista “The Economist”, será de US$ 305 bilhões em 2009.

Esse dado consta do relatório inédito publicado sobre o impacto da doença na economia do mundo. Pela primeira vez foram levados em conta custos médicos e não médicos, como despesas de suporte dos pacientes e dinheiro alocado em pesquisas.


Em 1761, o médico John Hill publicou o 1º artigo alertando para os perigos do consumo do tabaco

A desigualdade na distribuição de recursos também foi enfocada no relatório, que mostra que 94% dos gastos em câncer ocorrem no mundo desenvolvido, que tem 15% da população mundial. Os países em desenvolvimento e pobres são os que sofrem o maior peso da doença.

Segundo Alan Alwan, da Organização Mundial da Saúde (OMS), esse relatório aponta para a necessidade de que o câncer seja colocado como prioridade na agenda mundial de saúde.

O grupo de especialistas projetou as taxas de ocorrência de câncer de 2009 a 2020. O crescimento do número de novos casos deverá ser de 30%.

A curva de distribuição entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento e pobres continuará a se deslocar. Em 1970, os países em desenvolvimento contavam com apenas 15% dos novos casos. Atualmente já são 60% de novos diagnósticos nesses lugares e esse descolamento deverá continuar aumentando.

Atualmente, 1 em cada 3 habitantes do mundo deverá desenvolver um câncer de algum tipo durante sua vida, independente de ser homem ou mulher. Com o avanço da doença, se nada for feito para mudar esse quadro, o risco aumentará para 1 a cada 2 pessoas durante a vida sofrer de câncer.

Esse quadro levará ao fato de que praticamente toda a população do mundo será, de alguma forma, atingida pelo câncer, seja diretamente sofrendo da doença ou acompanhando um parente ou amigo que enfrentará esse desafio.

Prevenção

O câncer, apesar do que muitas pessoas ainda acreditam, não é algo que simplesmente acontece. Mais de 40% dos diferentes tipos de tumores malignos podem ser prevenidos.

A dificuldade ainda reside no desconhecimento da população quanto ao que pode ser feito em termos de prevenção do câncer.

A prevenção do câncer data do século 18, quando John Hill publicou em 1761 o primeiro artigo alertando para os perigos do consumo do tabaco e sua ligação com o aparecimento do câncer.


O cigarro já matou mais de 1 bilhão de pessoas até hoje. Imaginem a população da Índia desaparecendo do mapa de uma só vez

Quinze anos mais tarde, outro médico inglês, Percival Pott, descreveu tumores em operários que trabalhavam limpando chaminés. Esse talvez seja o primeiro alerta da relação entre os contaminantes ambientais e o câncer.

As campanhas de prevenção de câncer, quando aplicadas, resultam em imediata redução dos índices de ocorrência dos tumores malignos.

Evitar a exposição demasiada ao sol e a utilização adequada de filtros solares são medidas simples e eficazes contra o melanoma, um dos tumores malignos que mais cresce no mundo.

O controle das doenças infecciosas que guardam relação com o câncer pode reduzir os 18% de casos ligados a essas doenças. A vacinação contra a hepatite B reduzirá a ocorrência de hepatoma (tumor maligno do fígado). A prevenção da infecção pelo HPV (papilomavírus humano), com a vacinação das meninas antes da iniciação sexual, atua nos tumores de colo do útero. O tratamento da infecção pelo Helicobacter pilorii atuará na prevenção do câncer de estomago.

A obesidade está ligada diretamente a uma série de tumores malignos como intestinos, mama e próstata.

Os dois componentes que levam à obesidade, sedentarismo e dieta inadequada, por si só já aumentam o risco da ocorrência do câncer.

Mas o principal fator de risco para ocorrência de tumores malignos ainda é o uso do tabaco. Desde o desenvolvimento da máquina de enrolar cigarros, no final do século 19, nada foi mais mortal para o ser humano.

Segundo John Seffrin, da Sociedade Americana de Câncer, o cigarro já matou mais de 1 bilhão de pessoas até hoje. Muito mais do que todas as guerras do século 20 juntas. Imaginem a população da Índia desaparecendo do mapa de uma só vez.

O ciclista Lance Armstrong, em entrevista à rádio CBN e ao G1, em Dublin, disse que se algo pudesse ser feito para mudar a face do câncer no mundo, o fim do uso do cigarro seria a intervenção mais eficiente.

O missionário Charles Anthony, que há 26 anos trabalha no interior da Grécia com as populações dos vilarejos e grupos de imigrantes, afirma que “o mais importante é educar as crianças. A prevenção dos tipos mais comuns de câncer, como mama e colo do útero, passa pela educação dos pequenos, pois eles podem levar as informações para dentro das casas, onde as campanhas muitas vezes não conseguem penetrar.

Diagnóstico precoce

O diagnóstico precoce do câncer permite um tratamento mais eficiente, menos mutilador e em muitos casos a cura da doença.

O oftalmologista Evandro Lucena Jr., do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, cuida de crianças com retinoblastoma.

O retinoblastoma é um tumor maligno da retina do bebê que começa a se desenvolver ainda no útero da mãe. Um simples exame de fundo de olho, feito no berçário, permite seu diagnóstico. Quando tratado em tempo, até mesmo a visão da criança pode ser preservada. Mais tardiamente, leva à perda do olho e à necessidade de quimioterapia e radioterapia.


O 1º hospital especializado no tratamento do câncer inaugurado na França, em 1776, foi transferido da capital para o interior porque se acreditava que a doença era contagiosa

Segundo o especialista, “no Brasil conseguimos apenas 60% de sucesso no tratamento, por conta do atraso no diagnóstico. Comparativamente, nos Estados Unidos esse índice é de 95%”.

Para que se faça a descoberta precoce do câncer, em geral, é necessária a criação de serviços de registro de casos, trabalhando em rede. Segundo a União Internacional de Combate ao Câncer (UICC), essa rede só está disponível em 20% dos países do mundo.

Para Pat Kelly, ativista da luta contra do câncer no Canadá, as organizações não governamentais devem pressionar as autoridades para que as ações de governo e leis necessárias sejam implantadas.

Suporte ao paciente

O câncer, em sua distribuição global e desigualdade, tem um ponto em comum universal. A partir das histórias que escutamos durante a Conferência Global de Câncer, podemos definir que todos os pacientes precisam de apoio e suporte durante sua luta pessoal.

Infelizmente, seja em um país ocidental ou mesmo na Ásia ou África, o câncer ainda provoca uma carga de rejeição muito alta.

Basta lembrar que o primeiro hospital especializado no tratamento do câncer inaugurado na França, em 1776, foi transferido da capital para o interior, pois acreditava-se que a doença era contagiosa.

Na Malásia, Sanjit Kaur, após se recuperar de um tumor de mama, decidiu iniciar um trabalho de educação e apoio aos atingidos pela doença há 11 anos. Em seu país, a crença na transmissibilidade do câncer ainda persiste e as diversas etnias e a dispersão da população em vilas torna tudo mais difícil.

Paralelamente, Kim Thiboldeaux descobriu que nos Estados Unidos a vida de quem sobrevive a um tumor também é difícil, e tanto o paciente quanto sua família e amigos precisam de apoio. Kim criou a Wellness Foundation, que fornece tratamento com suporte psicológico, educação nutricional e treinamento físico.

Tanto nos Estados Unidos como na Malásia um problema comum é o aparecimento de “tratamentos milagrosos”, sem evidências científicas que os apóiem.

Para tentar reverter essa situação, a Fundação Wellness desenvolve pesquisas em parcerias com universidades e centros de pesquisa do governo para gerar dados científicos nessa área.

O dever que vem com a cura

Os pacientes e familiares que viveram a experiência de conviver com o câncer muitas vezes sentem que as dificuldades pelas quais passaram não deveriam acontecer com os próximos pacientes.

Lance Armstrong, relatando sua experiência de superar um tumor maligno de testículos com metástases abdominais e cerebral, disse que no momento da alta hospitalar seu médico o alertou de seu novo dever. Segundo Armstrong, o especialista disse que “como pessoa pública e vitorioso na luta contra o câncer eu deveria aproveitar minha visibilidade para aumentar a consciência da população sobre o câncer e suas várias formas”.

Mas não precisa ser um campeão para se dedicar a essa luta. A família Ulman decidiu se engajar na busca por suporte para adultos jovens com câncer quando o filho foi diagnosticado e tratado com um tumor maligno hematológico. Hoje, gerenciam uma fundação no estado norte-americano de Maryland com sites em inglês e espanhol.

Exemplos como esses se repetem em todos os países do mundo, inclusive no Brasil, onde várias organizações não governamentais e fundações já se dedicam ao tratamento do câncer.

A primeira Conferência Global de Dublin terminou com um chamamento para que a luta contra o câncer se globalize tanto quanto a doença, e que a mobilização popular possa pressionar para que os governos coloquem o problema como prioridade.

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